Carta a uma amiga apaixonada_1
Caríssima
Não. Não fiz isto.
Sou um fraco, minha cara, na medida em que fugiria de qualquer luta, que por dever devesse ser conjunta, sem que existisse absoluta dualidade de sentimentos; se a reciprocidade verdadeira entre estes guerreiros não fosse suficientemente verdadeira que não tornasse estas pelejas do dia a dia uma via de mão dupla. Sou possessivo. Não divido o outro. Até permito, naquilo que a permissibilidade humana me enseje, sem fugir às regras da ética, que parte do todo seja divisível, mas sem que a parte restante perca, da principal, a essência. Se fosse algo geneticamente explicável, quiçá fosse, nestas divisões a que se permitem os humanos, quaisquer das partes divisíveis manteriam o padrão genético: a essência seria preservada.
Mas, feliz ou infelizmente, para estes e aqueles, nestas tais divisões, em que parte sai à caça, e tem bom proveito, isto no sentido da mera captura, a outra parte, sofrida, limita-se a guardar as crias, enquanto o caçador, saciado, dorme à sono solto, sob a vigília de suas lágrimas.
Isto é imoral.
Gostaria muito, amiga, de conhecer deste sentimento de que tanto se fala, em verso e prosa. Não tenha pena de mim, lhe peço. Neste mundão de meu Deus, a Arca se predispôs, por definição Dele, a abrigar todas as espécies, entre estas as de minha característica.
Sou moldado pela razão, nela respiro e quero expirar com ela.
Nesta equação simétrica, deve haver sempre um resultado inteiro e indivisível: a recíproca. Ou está errada a solução. Aí refazem-se as contas, trocam-se os números, mas nunca o resultado pode ser alterado, por mera conveniência de uma das partes. Na recíproca verdadeira, verdadeiro deve ser o conceito de que as partes, mesmo antagônicas, cooperem entre si. Não fosse isso, como sobreviver a concorrência que seria sanguinária, não houvessem estas partes, mesmos opostas, que manter um mínimo de cooperação? Ora, se entre oponentes é necessário, que dizer dos que se associam no afeto, na coexistência, na coabitação e no coito?
Somos meros contratantes até nos relacionamentos íntimos, que apenas por desatenção alguns pares comentem o equívoco do falso orgasmo, fazendo nascer daí o grande complicador de todos os acordos: a passionalidade que afasta a razão, objeto principal da mais justa aplicação de direitos e deveres recíprocos a que estão obrigados os que contratam entre si.
Isto parece ser extremamente tecnicista, mas me agrada pelo resultado obtido historicamente, por si só bem mais atraente que o outro, via de regra rescindido pela tragédia. Eu te diria, minha querida, que mesmo o orgasmo querido e desejado, seja pelo prazer em si, meramente irracional e portanto instintivo, ao cio a que todos estamos sujeitos; seja por este mesmo desejo que pode ser complemento ao bem estar com o parceiro com quem o dividimos, deve ser objeto da razão.
Podes achar que um dia eu venha te desdizer tudo o que hoje afirmo. Não seria razoável, ao meu ver, que a idade, que tem o condão de amadurecer pelo decurso do tempo, pudesse diminuir o meu aprimorado sentido de razão, para imprimir em mim esse diminuto sentimento que ao longo do tempo tem causado tanta dor, tantas perdas irreparáveis; objeto de tantas tragédias, das contadas e das omitidas, onde por certo são as últimas maioria.
Permito-me navegar no mar calmo da razão, mesmo que dessa vida não conheça das benesses propagadas da paixão, há tanta contada em versos e prosa. Prefiro o cio despretensioso que nos atrai a todos da mesma espécie, que o dia a dia das ardentes desilusões.
PP
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