terça-feira, outubro 06, 2009

No que crêem os homens, afinal ?

No que crêem os homens, afinal ?

A propósito de uma matéria que foi apresentada na TV, o entrevistado, antropólogo, discorre sobre as crença e cultos à divindades e diz das diferenças regionais, estaduais e mesmo continentais e suas manifestações exatamente em face da cultura e do tempo.

Divaga o antropologista do budismo ao cristianismo, do islamismo ao judaísmo, entre outros, enfim, criando paralelos entre uma e outra religiões, cada uma em seu tempo e todas ao mesmo tempo pelas razões em si mesmas defendidas. Pareceu-me, assim vendo e ouvindo-o, que faltou algo de palpável nestas ditas manifestações de crenças do homem ao longo do tempo; algo que ultrapassasse a mera e discutível imaterialidade e fosse, além disto, buscar as razões destas ditas buscas humanas na sua relação com o divino no tocante a um tema de tamanha complexidade para muitos. A mim me parece de facílima compreensão o assunto. Já manifestei-me em outros momentos sobre este tema. É que ao longo do tempo amadurecemos estes pensamentos, lapidando-os, o que não significa dar melhor juízo de valor aos mesmos. Mudamos-lhes a cara nestas novas lapidações.

Ora, se voltarmos alguns milhares de anos, de economias outras, época das cavernas, da pedra lascada, das primeiras chamas, da primeira vez eretos sobre dois pés, perceberemos que tudo se resumia em procriar, caçar, pescar e colher frutos (não necessariamente nesta ordem). Plantar, colher e armazenar ainda era desconhecido, assim como não era usual criar animais em confinamento para o tempo das vacas e outras espécies magras, e as adversidades climáticas, como até hoje, não têm o domínio humano.

Ao longo do tempo as adversidades tomaram outras caras, trocaram de nome, e se o advento da agricultura trouxe possibilidades infinitas de produção estoque, passando pela inteligência que permitiu os transgênicos; se a melhoria genética permitiu não tão somente a criação em cativeiro mas a maior produção em menor tempo, infelizmente, desaprendemos os conceitos de comunidade, partilha e generosidade. Já eram outras as cavernas de hoje, movidas a energia nuclear.

Não importa quanto tempo a necessidade e dificuldades de possibilidades inalcançáveis existam nem em que nível ocorram. Não importa se é a caça que mudou de prado, se tivemos que inutilmente persegui-la; se os frutos não vieram e esperamos em vão a próxima safra. Não importa. Não importa se a bolsa de Nova York, quebrou; se o câncer não retrocede, se aquele esperado emprego não saiu. Não importa se foi no exame ao vestibular que a nota não foi suficiente, ou se o tempo não trouxe de volta quem se ama e que partiu para sempre.

Não importa.

Nestas circunstância adversas, todas, diante do inalcançável e da necessidade urgente da solução, nós, humanos, unicamente nós entre todas as espécies, exclusivamente aquela criada a imagem e semelhança do Criador, recorremos ao imaginário, ao poderoso imaginário, na busca de um milagre. Foi assim que pedimos chuvas ao deus trovão, na fome da ausência da colheita, nas danças noturnas à luz das fogueiras e ao som dos maracás; foi assim que imolamos inocentes ovelhas em oferenda aos deuses da caça. E eram muitos os deuses e muitas as oferendas. Terminamos por criar algo superior, uno, que a tudo atendia, que tudo podia, que tudo sabia, que tudo via. Precisávamos da onipresença, da onipotência e da onisciência que nos permitisse, dentro de um acordo de eterna fidelidade, o alcance daquelas ditas soluções inalcançáveis.

Nestas histórias de milagres e padecimentos, em que algumas são sagradas, a dor transita na mesma faixa da esperança, na contramão da fé e na arredia falta de convicção de si mesmos, perambulamos todos nós, crédulos e incrédulos, no exercício diário de pagas e promessas, ora cumprindo-as, ora negociando com nossos deuses e demônios. Isto porque alguns deles, deuses ou demônios, terminam por operar milagres, satisfazendo desejos que por si mesmos conseguiriam suas criaturas se melhor acuidade tivessem no diligenciar de seus atos.

Nos últimos 20 séculos, em nome da perpetuação desta proteção cometemos os mais bárbaros crimes: queimamos, crucificamos, degolamos, torturamos, escravizamos, enfim, cometemos toda uma sorte de atrocidades em nome deste deus. Criamos as indulgências e a inquisição. Fizemos a apropriação contábil do dízimo e construímos templos. Civilizamo-nos, finalmente, e criamos sub-grupos de fiéis de um mesmo e único Deus. Continuamos construindo templos, majestosos, ornados de ouro, enquanto milhares de humanos morrem ao tempo de fome e frio.

Mas a verdade, a grande verdade, é que estamos sós. Desesperadamente sós coexistindo, coabitando e convivendo com nossas crendices, superstições e medos; buscando no imensurável, impalpável e imaterial o consolo final, diante da morte, certeza absoluta, que chegará, mais tempo menos tempo, de malas prontas para a viagem derradeira.

Estamos sós na ausência da generosidade, da bondade, da justiça justa e da caridade humanas. Meu preferido autor - José Saramago – constitui estas premissas em verdadeira lição de sabedoria: “ se a mim me mandassem dispor por ordem de precedência a caridade a justiça e a bondade, daria primeiro lugar a bondade, o segundo à justiça e o terceiro à caridade. Porque a bondade, por si só, já dispensa a justiça e a caridade, porque a justiça justa já contém e si caridade suficiente. A caridade é o que resta quando não há bondade nem justiça”.

É desta solidão, e nesta solidão, e por esta solidão que criamos nossos deuses na ausência da solidariedade que bastar-se-ia em si mesma para que de milagre algum necessitássemos. Tudo estaria justo e perfeito na continuidade da felicidade humana.

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