quinta-feira, julho 20, 2006

A Solidão dos Homens

A SOLIDÃO DOS HOMENS

Por Pedro Paulo Buchalle (25/12/04)


É natal e andei pensando, comovido pela data que desde a mais tenra infância reverencio, no quanto estamos sós.

Imaginei-me na lua e de lá ter a perspectiva da terra com o todo do universo. Vi de lá a imensidão infinita e do quanto somos minúsculos diante deste todo sem alcance, tão somente pela amplitude do espaço, sem considerar a discussão da criação. Mesmo um planeta do tamanho da terra, sob este prisma, está perdido no espaço sideral.

Há 130 mil anos fomos enquadrados na categoria dos “homo sapiens”, o que deduz inteligência, racionalidade, capacidade de escolha. Sabedoria. Desde então criamos nossos deuses. Todos. Decidimos o destino do espírito, outra criação dos homens, para a pós-morte, com base na inspiração de alguns, no medo de outros e na sagacidade do restante, hoje maioria, que sob a égide da cruz, do espinho, do flagelo e da dor, negociam para a eternidade, ao preço do dízimo, o repouso eterno: O grande final!

Mas a verdade, a grande verdade, é que estamos sós. Desesperadamente sós coexistindo, coabitando e convivendo com nossas crendices, supertições e medos, buscando no imensurável, impalpável e imaterial a verdade derradeira, o último apoio antes de se sucumbir ao inalcançável, antes que a morte, certeza absoluta, chegue de malas prontas para a viagem derradeira.

O inconcebível, diante desta verdade absoluta, porque não é razoavelmente contestável, é que a grande maioria dos homens recusa-se a compreender a grandeza da solidariedade e da generosidade e passa a vida acumulando riquezas em nichos cada vez mais restritos e em quantidades infinitamente maiores que sua capacidade de consumo, marginalizando e multiplicando milhões de famintos, entregues à própria sorte, numa economia que se engessa na medida em que não se multiplica a riqueza pela geração de trabalho.

E ao final nada acontece. Lá se vão alguns milhares de anos em que não conseguimos definir, que não seja pela fé, no de onde viemos e pra onde vamos. Teses e mais teses se misturam nesta necessária busca. Muitas vezes em minha vida optei pela descrença. Julguei e condenei qualquer coisa em que não fosse possível um mínimo de lógica, decretando ao Criador, como se poder tivesse para decretar tal coisa, mero objeto da fé de uns, fanatismo de outros e necessidade absoluta da maioria esmagadora que cria seus próprios deuses para satisfazer seus desejos inalcançáveis.

Se por este método não resolvia, na pior das hipóteses, dá-nos força para esperar o milagre, que via de regra não acontece, facilitando o convívio com a dor e preservando a esperança, fruto da fé, objeto finalista dos que crêem. Até porque os milagres que os homens querem estão sempre fora do alcance dos deuses, que na solidão de seu poder não conseguem, sem a cumplicidade destes tais necessitados, milagre algum fazer.

Nestas histórias de milagres e padecimentos, em que algumas são sagradas, a dor transita na mesma faixa da esperança, na contramão da fé e na arredia falta de convicção de si mesmos, perambulamos todos nós, crédulos e incrédulos, no exercício diário de pagas e promessas, ora cumprindo-as, ora negociando com nossos deuses e demônios. Isto porque alguns deles, deuses ou demônios, terminam por operar milagres, satisfazendo desejos que por si mesmos conseguiriam suas criaturas se melhor acuidade tivessem no diligenciar de seus atos, onde, no mínimo, rendessem às suas divindades, ao fim do dia, os créditos de seus acertos e perdões pedissem pelos deméritos auferidos.

Vi, nestas quase cinco décadas vida, das quais quatro delas dedicadas ao entendimento desta relação entre o homem e o Criador, por mais precoce que pareça ter dedicado a isto meus primeiros anos de vida, de quantas dúvidas tive e dos raros entendimentos obtidos pelo caminho da razoável compreensão. De tudo o que consigo vislumbrar há muito mais a duvidar do que crer nesta relação. São tantas as contradições que se torna insuportável aceitar esta paternidade de bom grado e sem o entendimento de enorme injustiça, ou, se crendo no princípio, na omissão. Porque não é inteligente ou racional compreender tamanhas diferenças ou tamanho abandono. E o que mais compromete o entendimento é o conceito de liberdade que perdemos com o tempo, principalmente depois dos dogmas que alegam os homens ser vontade do Pai, vontade esta, dita, sentenciada e imposta pelos homens, em Seu nome, sem qualquer vislumbre racional que não seja pela fé, e até por esta mesma posta em dúvida.

Da pré-história ao momento atual muito perdemos depois da crença que nos outorgam os homens supostamente enquanto princípios divinos. Vivemos sob o domínio do medo. Perdemos o que de mais belo há na liberdade que é a inocência, pela capacidade de admirarmo-nos do mundo que nos rodeia e do belo que o constitui, pois nem mesmo acabamos de nascer, sem que escolha alguma tenhamos, já nos impõem o certo e o errado, o bom e o ruim, o bem e o mal que nos espera. Não seria mais fácil deixar-nos seguir pela intuição que a tantos beneficiam, entre todas as espécies, que instintivamente caminham felizes pelo mundo a fora? De que animais, destes objetos da criação que conhecemos, que está ou é infeliz pela ausência do da razão? Destes mesmos, quais, não sentem ou sofrem na medida exata das dores que lhes são causadas, sem ter que acrescentar a elas os conceitos de certo e errado, objetivamente impostos ao homem em nome de cada um de seus deuses?

Como transitar nestes inversos e reversos em que a liberdade oprimida para uns, pela crença que lhes é imposta, vê-se sucumbida pela força dos tantos outros, livres da submissão dogmática, que aprisiona e tornam insuportável o dia a dia daqueles ? E quem nesta vida lhes salvará ? E que prêmio está na outra vida, onde um céu espera pelos sofredores ? E o céu desta vida, onde está ? Que garantia se tem desta utopia da felicidade não terrena ? Quando chegarão a mão e a espada há dois mil e poucos anos prometida ?

Somos governados pelas leis de poucos homens, que em seu beneficio legislam e pela força as validam; somos observados diuturnamente por outras leis, ditas divinas, mas também feitas pelos homens, e que mais que pela força a validam, porque maior que a força da espada é a força da palavra, cunhadas ao longo dos anos em nossas mentes, das quais não conseguimos afastar-nos.

Não sei se o mundo consegue ver como eu vejo e sinto o tamanho da solidão dos homens. Afirmamos o que desconhecemos com a mesma propriedade com que conceituamos uma árvore, uma rocha ou outra qualquer destas espécies que nossos sentidos captam. Se há imaterialidade, como podemos afirmar o impalpável que não seja pela fé ? E se por esta afirmamos, que é compreensível, em face da necessidade de cada um na sua incapacidade de bastar-se a si mesmo ou pelo mundo que o rodeia, não é contraproducente transformar estas verdades subjetivas e individuais em necessidades coletivas, impondo a infantes felizes e admirados com as obras do Criador um credo que não podem por si mesmos legitimar ?

Neste mesmo sentido, Olavo Bilac assim se manifestou, nas palavras de um poema que o tempo não apagará :

“. . .Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se a arder no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.
Pobre, no bem como no mal padeces;
E rolando num vórtice insano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.
Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas com as virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
E no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora”